O negócio de fábrica de software
prolifera no Brasil e as grandes empresas que
atuam na área pensam em exportar cada vez
mais.
Ricardo Cesar
A continuar no atual nvel de evolução,
é possvel que em um futuro não muito
distante o Brasil seja conhecido, além do samba e
do futebol, pela qualidade do software e dos
sistemas que desenvolve. Soa otimista demais?
Talvez. Mas é fato que a atividade
conhecida como "fábrica de software" cresce a
olhos vistos no Pas e é alvo de
investimentos de centenas de consultorias,
integradores e software houses. Nenhum outro setor
do mercado nacional de Tecnologia da Informação
tem recebido tantos recursos nos últimos meses.
Exemplos não faltam. A CPM, uma das pioneiras
do setor no Brasil, está montando sua sexta
fábrica de software em São José dos Campos. Já
a multinacional EDS selecionou o Pas como um
de seus centros mundiais de programação.
Só em 2003, a companhia investirá cerca
de R$ 3 milhões para ampliar a capacidade de suas
cinco unidades nacionais, pretende contratar 400
pessoas e quer exportar R$ 20 milhões a partir da
operação nacional. Para 2004, este valor pode
dobrar e não está descartada a estruturação de
novas unidades.
A Softtek, uma empresa
mexicana, escolheu o Brasil para abrir sua
primeira fábrica de software em outro pas e
está investindo US$ 2 milhões na iniciativa.
Uma série de fatores explica essa febre, mas
antes é preciso deixar claro o conceito de
fábrica de software, que é motivo de confusão
no mercado. O desenvolvimento de sistemas pode ser
dividido em cinco fases: análise do negócios,
fábrica lógica (análise de sistemas), fábrica
fsica (que é programação propriamente
dita), testes e certificação/homologação.
Tradicionalmente, considera-se a terceira etapa
como sendo a fábrica de software.
O
termo, aliás, surgiu exatamente em analogia com
as linhas de produção fabris que montam produtos
em série, todos iguais e com a mesma qualidade. A
fábrica faz algo parecido com software.
Ocorre que a parte de análise de sistemas tem
ganhado peso crescente. E isso muda tudo. "O
movimento de terceirização de desenvolvimento de
aplicações nasceu focado na programação em si.
Mas os Chiefs Information Officer (CIOs)
norte-americanos começaram a perceber que perdiam
muito tempo para explicar o que queriam e o
nvel de diferença entre o que era
encomendado e o que era entregue ficou muito
alto", conta Maurcio Minas, vice-presidente
de operações da CPM.
"Então começaram
a demandar fábrica lógica e fábrica fsica
juntas, para garantir que quem desenvolve também
compreende os processos. Isso dá uma vantagem
muito grande ao Brasil, porque entendemos de
negócios e sabemos transformar esse conhecimento
em sistemas."
Minas é otimista e acredita que, se a Índia
tornou-se referência em programação de
aplicações, o Brasil possui mais qualidade para
desenvolver o sistema inteiro. "Veja o
conhecimento que temos de sistemas do setor
bancário. Com essa mudança, o Brasil passa a ter
talvez o melhor produto no mundo fora dos EUA.
Agora falta sermos eficientes em comunicar isso ao
mercado", diz Minas.
A Politec, por exemplo, possui hoje uma unidade
chamada fábrica de software (programação) e
outra chamada de fábrica de projetos
(desenvolvimento de sistemas) – são
metodologias de trabalho e espaços fsicos
diferentes. A mão-de-obra também é distinta: a
fábrica de software emprega programadores e é
cliente da fábrica de projetos, que contrata
analistas, consultores e projetistas.
O Brasil tem ainda outra vantagem sobre a
Índia que pode pesar em médio prazo. "As
empresas dos EUA e Europa perceberam que a Índia
é uma região instável, em constante tensão
militar com o Paquistão, e que portanto é
recomendável não ficar dependente apenas desse
mercado para desenvolvimento. Agora investem na
Rússia, China e Brasil", diz Bruno Marcelo
Mondin, diretor de negócios da Stefanini.
Desvalorização
Além dessa mudança da exigência dos grandes
compradores mundiais, uma série de outros fatores
impulsiona o mercado nacional de fábrica de
software. No topo da lista está a
desvalorização cambial, que derrubou os custos
da produção brasileira no mercado internacional
e deu um grande incentivo s exportações.
"Nos EUA o custo de hora/homem é de US$ 60, aqui
é praticamente um terço disso", afirma Dawson
Henriques de Oliveira, sócio-diretor da
Siscorp.
"Quando vendo uma hora/homem por
US$ 25, estou mantendo o meu preço, mas para o
mercado internacional é um custo incrivelmente
competitivo."
Oliveira acredita que o mercado de fábrica de
software já estava em ebulição antes da
desvalorização do real, portanto este não foi o
fator que originou esse movimento. "Mas agora
está contribuindo muito", afirma. Da a
preocupação com a recente valorização do real.
"Com o dólar até R$ 3 conseguimos ser muitos
competitivos nos EUA. Abaixo disso começamos a
sacrificar margem", calcula Minas, da CPM.
Vários outros fatores impulsionam o mercado de
fábrica de software. O diretor de tecnologia da
SI, Carlos Pulici, e o gerente sênior da área de
integração de tecnologia da Deloitte Consulting,
Cláudio Onodera, citam a necessidade de
customizações nas grandes empresas que já
adquiriram um sistema de ERP.
Muitos trabalhos de fábrica de software são
decorrência da revisão de processos ou projetos
de integração, dois fatores fundamentais que
impulsionam esse mercado.
"Quando fazemos
um redesenho de processos, fatalmente tenho uma
demanda por procedimentos que os automatizem, ou
sistemas que apoiem esses processos, e isso é
feito pela fábrica de software", explica
Pulici.
Outro fator que impulsiona o mercado de
fábrica de software, lembra Oliveira, da Siscorp,
é que hoje a arquitetura dos sistemas é muito
quebrada, o que torna possvel desenvolver
partes desses fragmentos com diferentes empresas
que s vezes nem sabem ao certo como será o
produto final.
Antigamente, todos os
sistemas eram feitos em uma única camada – a
interface, as regras de negócios e o controle a
banco de dados, por exemplo, eram feitos no mesmo
programa. Na arquitetura atual os sistemas são
desenvolvidos em maior número de camadas.
O que mais se fala são em sistemas de três
camadas. A primeira é a interface (o que o
usuário enxerga em um browser, por exemplo). Por
trás da tela, o sistema aciona uma regra – a
segunda camada – que vai buscar essa regra no
banco de dados – terceira camada – para saber
se os dados são válidos. Assim, é possvel
pegar toda a parte de interface, por exemplo, e
terceirizar seu desenvolvimento para uma fábrica
de software.
Já o presidente do grupo Resource, Gilmar
Batistela, credita a expansão deste mercado
tendência de concentração das empresas
em suas atividades principais. "As companhias hoje
querem se ater a seus ‘core business’ e
transferem as atividades que não são fins para
terceiros. Isso está impulsionando o mercado de
fábrica de software", avalia o executivo.
O diretor comercial da Unitech, Alex Vieira
Pinto, afirma que a fábrica de software atende
demanda de qualidade e produtividade,
portanto o crescimento desse negócio é
decorrência das exigências do mercado.
Outro fator ainda, lembra o diretor da AML,
Álvaro Moraes Albuquerque, é que a compra de
produtos de multinacionais, como pacotes de ERP,
resultavam em um custo muito elevado e
constantemente exigiam customizações para o
mercado brasileiro, como a área tributária.
"Até agora a maior parte dos serviços de
fábrica de software era justamente para fazer
essa customização. Mas a tendência daqui para
frente é que as empresas façam tudo com a
fábrica de software."
Apesar da generosa lista de fatores que levaram
ao crescimento das fábricas de software no
Brasil, ainda existem barreiras ao alargamento
desse mercado. No caso do dólar, apesar de a
desvalorização ter ajudado, a chamada gangorra
cambial joga contra. A excessiva flutuação do
real causa receio de que, no meio de um projeto, a
moeda brasileira recupere muito de seu valor e o
custo suba.
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Razões para o crescimento das
fábricas de software
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Desvalorização cambial. Nos EUA o custo
de hora/homem é de US$ 60; aqui é um terço
deste valor. O Brasil se tornou uma opção
interessante para exportação de programação.
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Muitos trabalhos de fábrica de software
são decorrência de revisão de processos ou
projetos de integração, como por exemplo a
necessidade de customizações nas grandes
empresas que já adquiriram um sistema de
ERP. |
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Arquitetura dos sistemas muito
fragmentada em camadas, o que torna
possvel desenvolver partes desses
fragmentos com diferentes pessoas que nem sabem
ao certo como o produto final será.
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Crescimento das chamadas fábricas
lógicas, que fazem análise de sistemas. Esse
tipo de procedimento envolve maior conhecimento
de negócios do que apenas a fábrica de
software, que é programação pura. O Brasil
tem excelente nvel de conhecimento em
análises de sistemas, sobretudo para o setor
financeiro. |
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Tendência de concentração das empresas
em suas atividades principais, o que faz crescer
a transferência de atividades não ligadas
diretamente ao negócio principal para parceiros
(terceirização). |
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Brand forte
Outro problema é que ainda não existe uma
"marca Brasil" consolidada neste mercado. Faltam
ações de marketing para promover o que se
desenvolve aqui. "O problema é que o Brasil não
é conhecido. Nos EUA, quando se precisa de
fábrica de software, vão procurar empresas da
Índia. É preciso mudar isso", diz Newton
Alarcão, sócio-diretor da Politec.
O Brasil tem uma caracterstica oposta
Índia. Aqui, o mercado interno ainda
absorve a maior parte dos trabalhos, enquanto na
Índia a maioria da produção destina-se
exportação. "O grosso é para projeto internos
– quase 90%. Mas o mercado externo está
crescendo a taxas maiores", diz Mondin, da
Stefanini. "Em três anos, esperamos que 30% das
receitas de fábrica de software venham do
exterior. Mas conquistar mercado externo é uma
tarefa difcil." Os setores que mais
contratam no Brasil são as áreas financeira,
telecomunicações, manufatura, governo, utilities
e óleo/gás.
Mas talvez o principal problema seja a falta de
certificados de qualidade dos software nacionais.
Neste quesito o Brasil perde de lavada da Índia.
O CMM, um dos certificados mais importantes para
garantir a qualidade dos produtos e que vai do
nvel 1 ao 5 em ordem crescente de qualidade,
é uma raridade por aqui. As empresas mais
adiantadas possuem o nvel 3, enquanto na
Índia encontram-se diversas fábricas de software
certificadas com o nvel 4 e mesmo com o 5.
"Quando o CIO desenvolvia as soluções em casa
ele tinha o controle do que estava sendo feito.
Agora que não vê fazer, precisa ter uma garantia
de qualidade. Sem uma garantia de processo, não
se fecha negócio", afirma Cláudio Onodera, da
Deloitte. "O modelo da fábrica precisa ser
baseado em nveis de serviço que mostrem ao
cliente que ele está seguro. Os clientes que já
tiveram experiências ruins no passado gostam
muito disso", afirma Pulici, da SI.
Mas os custos elevados para montar uma fábrica
de software também pesam. Os investimentos
incluem infra-estrutura (hardware, software,
estrutura de rede, telefonia e link de acesso
Internet, ferramentas de desenvolvimento e
de documentação), capacitação da equipe e
certificação como ISO e CMM. "Fábrica de
software é um investimento com retorno em médio
prazo, porque a soma de recursos exigidos é
grande", alerta Vieira Pinto, da Unitech.
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Dois
dgitos
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Politec -
Cresceu 30% ao ano nos últimos seis
anos. |
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Resource Informática - Cresceu
25% em 2002 em relação ao ano anterior.
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SI - Crescimento de 15% em 2002 e
previsão de crescer 25% a 30% este
ano. |
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Stefanini - Crescimento de 50% ao
ano ao longo dos últimos seis anos.
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AML - Cresceu 162% em 2002. Para
2003 a meta é crescer
100%. |
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Caminho
inverso
A CPM, integradora independente de tecnologia
controlada pelo Deutsche Bank Capital Partners
(51%) e Bradesco (49%), afina sua estratégia para
tentar conquistar o concorrido – e lucrativo –
mercado norte-americano. A empresa já possui uma
filial nos Estados Unidos há cerca de cinco anos,
mas até agora sem fazer grande barulho. Este ano
a direção da companhia decidiu que o mercado
yankee será prioridade absoluta e prepara um
pacote de ações para enfrentar uma verdadeira
guerra na terra da IBM, HP, Sun e outras
gigantes.
"Em 2003 vamos centrar todos os nossos canhões
no mercado dos EUA", afirma Maurcio Minas,
vice-presidente de operações da CPM. O atual
braço norte-americano da integradora desenvolve a
parte lógica (análise de sistemas) e costuma
encomendar para o Brasil a programação (fábrica
de software). Mas o executivo afirma que no
momento a atuação nos EUA é "muito pequena face
ao potencial daquele mercado".
Para mudar isso, a CPM ampliará
significativamente seus investimentos na região.
Embora não revele os valores envolvidos, a
investida será apoiada parte em recursos
próprios e parte em financiamento que a companhia
está tentando obter junto ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
"O investimento no mercado americano será
grande para uma empresa brasileira e envolverá a
contratação de muita gente", afirma Minas.
"Será uma ação feita com muita agressividade e
focada no mercado financeiro, uma área em que o
Brasil tem grande conhecimento. Vamos ocupar esse
espaço que a Índia deve perder, já que ela
ainda não é boa no setor bancário."
Frentes de atuação
A batalha pelo mercado norte-americano será
baseada em duas frentes de combate. Na primeira
delas, a CPM fará parcerias com empresas
norte-americanas que possuem forte atuação no
mercado local. "Muitas companhias de tecnologia
norte-americanas passam por um problema sério,
que é o alto custo de programação nos EUA. Por
isso para eles é muito interessante terceirizar
para nós a parte de programação e assim
otimizar um dos elos de sua cadeia de produção",
explica Minas.
A vantagem dessa estratégia é que os
negócios podem começar em um ritmo muito veloz
nos EUA, pois a CPM atuaria em conjunto com
corporações locais estabelecidas e com uma ampla
base de clientes. Mas o lado negativo, destaca
Minas, é que a relação com o cliente final não
será da CPM, que terá status de empresa
subcontratada – o que significa que existe o
risco de a qualquer momento a empresa que tem o
contato com o consumidor resolver trocar de
parceiros.
Justamente para balancear este risco, a CPM
aposta em uma segunda frente de atuação. A
integradora desenvolverá um forte canal de vendas
próprio nos EUA. Trata-se de uma ação mais
lenta e que exigirá investimentos pesados, mas
que, se tiver sucesso, permitirá
integradora atuar de forma independente e com
segurança no mercado norte-americano.
"É uma boa receita: com as parcerias locais
esperamos gerar caixa rápido e assim financiar o
desenvolvimento de um canal direto, que é uma
estratégia para colher frutos mais a longo
prazo", afirma Minas. |