Negócios
São Paulo, 12 de Junho de 2003
Fábrica de software: uma vocação nacional?
 

O negócio de fábrica de software prolifera no Brasil e as grandes empresas que atuam na área pensam em exportar cada vez mais.

Ricardo Cesar

A continuar no atual n­vel de evolução, é poss­vel que em um futuro não muito distante o Brasil seja conhecido, além do samba e do futebol, pela qualidade do software e dos sistemas que desenvolve. Soa otimista demais? Talvez.
 
Mas é fato que a atividade conhecida como "fábrica de software" cresce a olhos vistos no Pa­s e é alvo de investimentos de centenas de consultorias, integradores e software houses. Nenhum outro setor do mercado nacional de Tecnologia da Informação tem recebido tantos recursos nos últimos meses.

Exemplos não faltam. A CPM, uma das pioneiras do setor no Brasil, está montando sua sexta fábrica de software em São José dos Campos. Já a multinacional EDS selecionou o Pa­s como um de seus centros mundiais de programação.

Só em 2003, a companhia investirá cerca de R$ 3 milhões para ampliar a capacidade de suas cinco unidades nacionais, pretende contratar 400 pessoas e quer exportar R$ 20 milhões a partir da operação nacional. Para 2004, este valor pode dobrar e não está descartada a estruturação de novas unidades.

A Softtek, uma empresa mexicana, escolheu o Brasil para abrir sua primeira fábrica de software em outro pa­s e está investindo US$ 2 milhões na iniciativa.

Uma série de fatores explica essa febre, mas antes é preciso deixar claro o conceito de fábrica de software, que é motivo de confusão no mercado. O desenvolvimento de sistemas pode ser dividido em cinco fases: análise do negócios, fábrica lógica (análise de sistemas), fábrica f­sica (que é programação propriamente dita), testes e certificação/homologação. Tradicionalmente, considera-se a terceira etapa como sendo a fábrica de software.

O termo, aliás, surgiu exatamente em analogia com as linhas de produção fabris que montam produtos em série, todos iguais e com a mesma qualidade. A fábrica faz algo parecido com software.

Ocorre que a parte de análise de sistemas tem ganhado peso crescente. E isso muda tudo. "O movimento de terceirização de desenvolvimento de aplicações nasceu focado na programação em si.

Mas os Chiefs Information Officer (CIOs) norte-americanos começaram a perceber que perdiam muito tempo para explicar o que queriam e o n­vel de diferença entre o que era encomendado e o que era entregue ficou muito alto", conta Maur­cio Minas, vice-presidente de operações da CPM.

"Então começaram a demandar fábrica lógica e fábrica f­sica juntas, para garantir que quem desenvolve também compreende os processos. Isso dá uma vantagem muito grande ao Brasil, porque entendemos de negócios e sabemos transformar esse conhecimento em sistemas."

Minas é otimista e acredita que, se a Índia tornou-se referência em programação de aplicações, o Brasil possui mais qualidade para desenvolver o sistema inteiro. "Veja o conhecimento que temos de sistemas do setor bancário. Com essa mudança, o Brasil passa a ter talvez o melhor produto no mundo fora dos EUA. Agora falta sermos eficientes em comunicar isso ao mercado", diz Minas.

A Politec, por exemplo, possui hoje uma unidade chamada fábrica de software (programação) e outra chamada de fábrica de projetos (desenvolvimento de sistemas) – são metodologias de trabalho e espaços f­sicos diferentes. A mão-de-obra também é distinta: a fábrica de software emprega programadores e é cliente da fábrica de projetos, que contrata analistas, consultores e projetistas.

O Brasil tem ainda outra vantagem sobre a Índia que pode pesar em médio prazo. "As empresas dos EUA e Europa perceberam que a Índia é uma região instável, em constante tensão militar com o Paquistão, e que portanto é recomendável não ficar dependente apenas desse mercado para desenvolvimento. Agora investem na Rússia, China e Brasil", diz Bruno Marcelo Mondin, diretor de negócios da Stefanini.

Desvalorização

Além dessa mudança da exigência dos grandes compradores mundiais, uma série de outros fatores impulsiona o mercado nacional de fábrica de software. No topo da lista está a desvalorização cambial, que derrubou os custos da produção brasileira no mercado internacional e deu um grande incentivo  s exportações. "Nos EUA o custo de hora/homem é de US$ 60, aqui é praticamente um terço disso", afirma Dawson Henriques de Oliveira, sócio-diretor da Siscorp.

"Quando vendo uma hora/homem por US$ 25, estou mantendo o meu preço, mas para o mercado internacional é um custo incrivelmente competitivo."

Oliveira acredita que o mercado de fábrica de software já estava em ebulição antes da desvalorização do real, portanto este não foi o fator que originou esse movimento. "Mas agora está contribuindo muito", afirma. Da­ a preocupação com a recente valorização do real. "Com o dólar até R$ 3 conseguimos ser muitos competitivos nos EUA. Abaixo disso começamos a sacrificar margem", calcula Minas, da CPM.

Vários outros fatores impulsionam o mercado de fábrica de software. O diretor de tecnologia da SI, Carlos Pulici, e o gerente sênior da área de integração de tecnologia da Deloitte Consulting, Cláudio Onodera, citam a necessidade de customizações nas grandes empresas que já adquiriram um sistema de ERP.

Muitos trabalhos de fábrica de software são decorrência da revisão de processos ou projetos de integração, dois fatores fundamentais que impulsionam esse mercado.

"Quando fazemos um redesenho de processos, fatalmente tenho uma demanda por procedimentos que os automatizem, ou sistemas que apoiem esses processos, e isso é feito pela fábrica de software", explica Pulici.

Outro fator que impulsiona o mercado de fábrica de software, lembra Oliveira, da Siscorp, é que hoje a arquitetura dos sistemas é muito quebrada, o que torna poss­vel desenvolver partes desses fragmentos com diferentes empresas que  s vezes nem sabem ao certo como será o produto final.

Antigamente, todos os sistemas eram feitos em uma única camada – a interface, as regras de negócios e o controle a banco de dados, por exemplo, eram feitos no mesmo programa. Na arquitetura atual os sistemas são desenvolvidos em maior número de camadas.

O que mais se fala são em sistemas de três camadas. A primeira é a interface (o que o usuário enxerga em um browser, por exemplo). Por trás da tela, o sistema aciona uma regra – a segunda camada – que vai buscar essa regra no banco de dados – terceira camada – para saber se os dados são válidos. Assim, é poss­vel pegar toda a parte de interface, por exemplo, e terceirizar seu desenvolvimento para uma fábrica de software.

Já o presidente do grupo Resource, Gilmar Batistela, credita a expansão deste mercado   tendência de concentração das empresas em suas atividades principais. "As companhias hoje querem se ater a seus ‘core business’ e transferem as atividades que não são fins para terceiros. Isso está impulsionando o mercado de fábrica de software", avalia o executivo.

O diretor comercial da Unitech, Alex Vieira Pinto, afirma que a fábrica de software atende   demanda de qualidade e produtividade, portanto o crescimento desse negócio é decorrência das exigências do mercado.

Outro fator ainda, lembra o diretor da AML, Álvaro Moraes Albuquerque, é que a compra de produtos de multinacionais, como pacotes de ERP, resultavam em um custo muito elevado e constantemente exigiam customizações para o mercado brasileiro, como a área tributária. "Até agora a maior parte dos serviços de fábrica de software era justamente para fazer essa customização. Mas a tendência daqui para frente é que as empresas façam tudo com a fábrica de software."

Apesar da generosa lista de fatores que levaram ao crescimento das fábricas de software no Brasil, ainda existem barreiras ao alargamento desse mercado. No caso do dólar, apesar de a desvalorização ter ajudado, a chamada gangorra cambial joga contra. A excessiva flutuação do real causa receio de que, no meio de um projeto, a moeda brasileira recupere muito de seu valor e o custo suba.

Razões para o crescimento das fábricas de software
  • Desvalorização cambial. Nos EUA o custo de hora/homem é de US$ 60; aqui é um terço deste valor. O Brasil se tornou uma opção interessante para exportação de programação.
  • Muitos trabalhos de fábrica de software são decorrência de revisão de processos ou projetos de integração, como por exemplo a necessidade de customizações nas grandes empresas que já adquiriram um sistema de ERP.
  • Arquitetura dos sistemas muito fragmentada em camadas, o que torna poss­vel desenvolver partes desses fragmentos com diferentes pessoas que nem sabem ao certo como o produto final será.
  • Crescimento das chamadas fábricas lógicas, que fazem análise de sistemas. Esse tipo de procedimento envolve maior conhecimento de negócios do que apenas a fábrica de software, que é programação pura. O Brasil tem excelente n­vel de conhecimento em análises de sistemas, sobretudo para o setor financeiro.
  • Tendência de concentração das empresas em suas atividades principais, o que faz crescer a transferência de atividades não ligadas diretamente ao negócio principal para parceiros (terceirização).


  • Brand forte

    Outro problema é que ainda não existe uma "marca Brasil" consolidada neste mercado. Faltam ações de marketing para promover o que se desenvolve aqui. "O problema é que o Brasil não é conhecido. Nos EUA, quando se precisa de fábrica de software, vão procurar empresas da Índia. É preciso mudar isso", diz Newton Alarcão, sócio-diretor da Politec.

    O Brasil tem uma caracter­stica oposta   Índia. Aqui, o mercado interno ainda absorve a maior parte dos trabalhos, enquanto na Índia a maioria da produção destina-se   exportação. "O grosso é para projeto internos – quase 90%. Mas o mercado externo está crescendo a taxas maiores", diz Mondin, da Stefanini. "Em três anos, esperamos que 30% das receitas de fábrica de software venham do exterior. Mas conquistar mercado externo é uma tarefa dif­cil." Os setores que mais contratam no Brasil são as áreas financeira, telecomunicações, manufatura, governo, utilities e óleo/gás.

    Mas talvez o principal problema seja a falta de certificados de qualidade dos software nacionais. Neste quesito o Brasil perde de lavada da Índia. O CMM, um dos certificados mais importantes para garantir a qualidade dos produtos e que vai do n­vel 1 ao 5 em ordem crescente de qualidade, é uma raridade por aqui. As empresas mais adiantadas possuem o n­vel 3, enquanto na Índia encontram-se diversas fábricas de software certificadas com o n­vel 4 e mesmo com o 5.

    "Quando o CIO desenvolvia as soluções em casa ele tinha o controle do que estava sendo feito. Agora que não vê fazer, precisa ter uma garantia de qualidade. Sem uma garantia de processo, não se fecha negócio", afirma Cláudio Onodera, da Deloitte. "O modelo da fábrica precisa ser baseado em n­veis de serviço que mostrem ao cliente que ele está seguro. Os clientes que já tiveram experiências ruins no passado gostam muito disso", afirma Pulici, da SI.

    Mas os custos elevados para montar uma fábrica de software também pesam. Os investimentos incluem infra-estrutura (hardware, software, estrutura de rede, telefonia e link de acesso   Internet, ferramentas de desenvolvimento e de documentação), capacitação da equipe e certificação como ISO e CMM. "Fábrica de software é um investimento com retorno em médio prazo, porque a soma de recursos exigidos é grande", alerta Vieira Pinto, da Unitech.

    Dois d­gitos
  • Politec - Cresceu 30% ao ano nos últimos seis anos.
  • Resource Informática - Cresceu 25% em 2002 em relação ao ano anterior.
  • SI - Crescimento de 15% em 2002 e previsão de crescer 25% a 30% este ano.
  • Stefanini - Crescimento de 50% ao ano ao longo dos últimos seis anos.
  • AML - Cresceu 162% em 2002. Para 2003 a meta é crescer 100%.



  • Caminho inverso

    A CPM, integradora independente de tecnologia controlada pelo Deutsche Bank Capital Partners (51%) e Bradesco (49%), afina sua estratégia para tentar conquistar o concorrido – e lucrativo – mercado norte-americano. A empresa já possui uma filial nos Estados Unidos há cerca de cinco anos, mas até agora sem fazer grande barulho. Este ano a direção da companhia decidiu que o mercado yankee será prioridade absoluta e prepara um pacote de ações para enfrentar uma verdadeira guerra na terra da IBM, HP, Sun e outras gigantes.

    "Em 2003 vamos centrar todos os nossos canhões no mercado dos EUA", afirma Maur­cio Minas, vice-presidente de operações da CPM. O atual braço norte-americano da integradora desenvolve a parte lógica (análise de sistemas) e costuma encomendar para o Brasil a programação (fábrica de software). Mas o executivo afirma que no momento a atuação nos EUA é "muito pequena face ao potencial daquele mercado".

    Para mudar isso, a CPM ampliará significativamente seus investimentos na região. Embora não revele os valores envolvidos, a investida será apoiada parte em recursos próprios e parte em financiamento que a companhia está tentando obter junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

    "O investimento no mercado americano será grande para uma empresa brasileira e envolverá a contratação de muita gente", afirma Minas. "Será uma ação feita com muita agressividade e focada no mercado financeiro, uma área em que o Brasil tem grande conhecimento. Vamos ocupar esse espaço que a Índia deve perder, já que ela ainda não é boa no setor bancário."

    Frentes de atuação

    A batalha pelo mercado norte-americano será baseada em duas frentes de combate. Na primeira delas, a CPM fará parcerias com empresas norte-americanas que possuem forte atuação no mercado local. "Muitas companhias de tecnologia norte-americanas passam por um problema sério, que é o alto custo de programação nos EUA. Por isso para eles é muito interessante terceirizar para nós a parte de programação e assim otimizar um dos elos de sua cadeia de produção", explica Minas.

    A vantagem dessa estratégia é que os negócios podem começar em um ritmo muito veloz nos EUA, pois a CPM atuaria em conjunto com corporações locais estabelecidas e com uma ampla base de clientes. Mas o lado negativo, destaca Minas, é que a relação com o cliente final não será da CPM, que terá status de empresa subcontratada – o que significa que existe o risco de a qualquer momento a empresa que tem o contato com o consumidor resolver trocar de parceiros.

    Justamente para balancear este risco, a CPM aposta em uma segunda frente de atuação. A integradora desenvolverá um forte canal de vendas próprio nos EUA. Trata-se de uma ação mais lenta e que exigirá investimentos pesados, mas que, se tiver sucesso, permitirá   integradora atuar de forma independente e com segurança no mercado norte-americano.

    "É uma boa receita: com as parcerias locais esperamos gerar caixa rápido e assim financiar o desenvolvimento de um canal direto, que é uma estratégia para colher frutos mais a longo prazo", afirma Minas.


    Autor: Ricardo Cesar
    Data: 28/04/2003









     
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